segunda-feira, 27 de outubro de 2008

O show de Harold



Situação A: Você é uma conceituada escritora, que não publica nada há 10 anos e está trabalhando de novo, mas empacou num ponto crucial do enredo: o desfecho do personagem principal. Você começa uma pesquisa para sair do seu bloqueio criativo, mas não aparece nenhuma idéia para salvar a pátria. Um belo dia, ouve a campainha. Quem está do outro lado é ninguém menos que o protagonista do seu novo livro.

Situação B: Você é um auditor da receita federal. Na manhã de uma quarta-feira qualquer, você está escovando os dentes. Escuta uma voz, vinda sabe-se lá de onde, narrando a sua rotina. Ela sabe exatamente o que você está pensando, sentindo, fazendo. Esquizofrenia? Não parece. Assistindo a uma entrevista na TV, você reconhece a voz como aquela que vem lhe perseguindo nas últimas semanas. É a de uma célebre e reclusa escritora, que tem a marca registrada de matar seus protagonistas de formas inusitadas.

É dessa combinação insólita que "Mais estranho que a ficção" (escondido na sessão de comédia da locadora) é feito. Eu, que lembrava do Will Ferrell como mais um dummy do "Saturday Night Live" - que, contra a opinião geral, acho um dos programas mais chatos da televisão, apesar de ser o berço de alguns dos melhores comediantes americanos - fiquei surpresa: o cara acaba de ganhar o meu respeito graças ao atrapalhado Harold Crick, protagonista do filme. 

Outro curinga da produção é a sempre gracinha Maggie Gyllenhaal, que adoro desde "Secretária" (é, tenho uma queda por personagens excêntricos), como seu par romântico. Um plus são os efeitos gráficos para enfatizar a infinidade de números que dominam a vida meticulosamente calculada de Harold. Quer dizer, até ele decidir virar tudo de cabeça pra baixo.
 
  


                        

sábado, 25 de outubro de 2008

Feito cegos num tiroteio

Lá pelos idos de 2005, entrei na sala escura do Paço, alguns minutos depois do começo do filme. Na tela, "Edukators". O roteiro combinava perfeitamente com tudo o que martelava as minhas idéias na época, além de ter sido o meu primeiro contato com o Jeff Buckley (presente do começo ao fim com uma versão de "Hallelujah", do Leonard Cohen). A desorientação ideológica, o esvaziamento das bandeiras, a perspectiva do fracasso de todas as revoluções e a hegemonia do individual sobre o coletivo; foi uma daquelas experiências raras em que algo consegue traduzir com exatidão o que nem a gente podia explicar.

Lembrando disso, pensei também em filmes como "Os sonhadores", "Cabra-cega", "Across the universe" e "Batismo de sangue", todos cheios de nostalgia por tempos em que era muito claro o papel de cada indivíduo para mudar o mundo, em que havia uma atmosfera de revolução e se tinha certeza do que combater e de onde se queria chegar. Devia ser bom se confortar nas utopias. Hoje, a gente olha pra trás e vê que os projetos de igualdade e equilíbrio social resultaram em repressão, massacres e distorções. Os planos mais bem-intencionados se demonstraram impraticáveis ou inocentes.

Sim, houve mudanças, mas cadê aquela realidade prometida de felicidade generalizada? As religiões ainda dão conta de reconfortar alguns com a idéia de que existe um sentido pra tudo o que acontece, alguma forma de compensação entre os fatos (por isso alguns seriam agraciados pela vida e outros, derrotados por ela) e que a tal perspectiva não é desse mundo. Alguns elementos do consumo contemporâneo - livros, filmes, terapias, psicotrópicos - tentam atenuar, mas a verdade é que estamos todos perdidos.


sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Mulheres são, definitivamente, bichos esquisitos

(do blog do João Paulo Cuenca - post de 21/10 - http://oglobo.globo.com/blogs/cuenca/)

***

Eu quero um homem que me faça esquecer dos outros. E que daqui a pouco me ajude a esquecer dele mesmo.

***

Eu quero um homem que me entenda e me explique.

***

Eu quero um homem com quem eu me case e que depois morra. Meu sonho é ser viúva. É tão bonito.

***

Eu quero um homem que me banque. Já tô de saco cheio de sair com mendigo, só tem maloqueiro na night. Você tem que se ligar nos detalhes, no relógio, na marca da camisa... E tomar cuidado com os manés que usam roupa fajuta e aqueles chaveiros de carrão pra fora do bolso da calça e que na verdade só servem pra guardar as chaves da bicicleta. A gente tem mais é que se cuidar mesmo que o negócio não tá pra brincadeira e vai ficar cada vez pior. E ainda tem essa crise, você viu no jornal? O lance é se ligar nos caras estáveis. Funcionário público, estatal... E pegar de jeito que a gente sabe como faz.

***

Eu quero um homem que me faça chorar. Porque eu só chorei duas vezes na minha vida, e isso faz muito tempo.

***

Eu quero um homem que, antes de tudo, me faça rir muito. E que tenha olhos também pra o que não seja ele. Olhos, ouvidos e perguntas pra mim.

***

Eu quero um homem que me fotografe com os olhos.

***

Eu quero um homem porque eu não agüento mais ir ao cinema sozinha.

***

Eu quero um homem que seja louco por mim e que me deseje o tempo todo. Que seja complexo, que sofra, chore e converse comigo sobre as coisas mais diversas. Um homem por quem eu seja completamente apaixonada, e com quem eu queira ter um filho. Eu me recuso a acreditar que uma pessoa assim não exista porque eu já tive momentos assim antes com várias pessoas. Você, por exemplo.

***

Eu digo que quero um homem assim e assado, mas, no fundo, eu quero um homem que faça tudo por mim, que viva por mim - mas que disfarce um pouco.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Nossas mentes não evoluíram para a versão 2.0

Hoje à tarde, vi uma promoção na internet que interessava a uma amiga e liguei pra ela pra contar.

Eu: "Oi, tudo bem? Seguinte: eu tava aqui vendo o site tal e tem uma promoção..."
Ela: "Ai, droga, tô aqui enrolada com a máquina, acabei de colocar o cartão (pausa); que merda!"
Eu: "Cuidado, senão o caixa eletrônico pode querer se vingar de você e engolir o seu cartão. Então, como eu ia dizendo..."
Ela: "Uma promoção, é? Qual (pausa de novo)
? Agora ela tá me pedindo pra clicar na função; eu já escolhi a função!"

Ainda continuamos nesse papo de bêbado por mais alguns minutos, passei a tal informação (que eu não tenho certeza se ela assimilou, graças à batalha contra a máquina do banco) e desligamos.

À noite, outra amiga me ligou e começamos a conversar. Eu contava uns causos pra ela enquanto lia os tutoriais da Apple sobre como restaurar os padrões do iPod (que estava com uma maldita luzinha piscando sem parar) e falava com dois amigos no MSN até que... silêncio. Eu não conseguia assimilar todas aquelas informações ao mesmo tempo. Interrompi as atividades online e retomei o fio da meada no telefone, depois de um "o que é que eu tava dizendo mesmo?".

Ao contrário do maravilhoso mundo da tecnologia e da microinformática, em que zilhões de processos acontecem simultanea e independentemente, o nosso raciocínio tem certas peculiaridades e limitações. Às vezes, chega a ser um alívio lembrar disso, porque a gente acaba tentando acompanhar o ritmo avassalador de informações circulantes e simplesmente não consegue. Nós não somos sistemas de conversão e leitura de dados infindáveis, nós interpretamos o que recebemos de forma diferente. Nem adianta tentar trocar o processador: alto risco de bug.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

De tanto bater, meu coração parou

Já escutei por aí que as brabeiras da vida vão ensinando a gente a crescer, especialmente nos momentos mais difíceis. Que, depois de passar pelas choradeiras e dores-de-cotovelo, nós saimos mais fortes. Em geral, vejo a teoria como bem aceitável até, mas hoje comecei a pensar se, na verdade, não vamos ficando é mais duros, como se estivéssemos eternamente fazendo treinamento com o Pai Mei (lembra do Kill Bill volume 2?), com cicatrizes se sobrepondo umas às outras, até ficarmos insensíveis a tudo. Fortes e maduros, eu não sei. Cascudos, irônicos e desconfiados, com certeza (Beatrix Kiddo que o diga).


terça-feira, 21 de outubro de 2008

SOS

Na espera de resposta de um estágio, com a faculdade (ainda) em greve e com pouco dindim em caixa, me restam poucas opções para preencher o dia. Monges budistas do Butão devem ter um cotidiano mais empolgante. Começo a observar marcas no piso de casa e depressões no sofá e no colchão, resultado da repetição dos mesmos gestos todo santo dia. A internet está perdendo a graça e só o que me salva é a TV a cabo. 

Se, antes eu resmungava que mal conseguia ligar a televisão durante a semana pela falta de tempo, agora a situação se inverteu. Programação do Sony e da Warner? Sei inteirinha. Ainda estou resistindo aos leilões bovinos do Canal Rural, mas vejo os tempos sombrios da decadência total se aproximando. O bom é que consigo ver todas as séries amadas e conhecer novos programas (como o seriado bacaninha My Boys, o caça-subcelebridades-gringas TMZ e o talk show da Ellen Degeneres).

Além dos filmes e programas sobre música do Canal Brasil, assisto ao GNT e recebo doses nada homeopáticas de Grey's Anatomy, Gilmore Girls, House, Law & Order e Scrubs. Redescobri um seriado de que eu nem lembrava o quanto sentia falta: That 70's Show. Passo mal de rir com as vinhetas psicodélicas e com aquelas conversas dos personagens no porão da casa do Eric, sempre com uma fumaça muito suspeita em volta. Que saudades do Fez e da música de abertura. Com exceção desses singelos momentos de alegria, estou ficando entediada e com um desejo incontrolável de dizimar todos os doces da geladeira. Salvem-me.


domingo, 19 de outubro de 2008

Sambinha elegante

Acho que se alguém o chamasse na rua de Angenor, ele nem devia responder. Afinal, o apelido que recebeu desde jovem - Cartola - se tornou muito mais conhecido do que o nome registrado nos seus documentos. Além de ter sido um dos fundadores da Estação Primeira de Mangueira, o rapaz franzino e sempre "muito bem posto" (como diria a minha avó) ainda era um cantor e compositor de qualidade raríssima. 

Se hoje ainda existe pangaré pra dizer que samba é coisa de vagabundo, imagina nos tempos dele, que nasceu em 1908. Tanto que, apesar de hoje a gente ouvir gente de todos os cantos regravando Cartola, foi só já bem coroa que ele passou a ser reconhecido nacionalmente como um artista de excelência. O sambista foi redescoberto pelo escritor Sérgio Porto, aos 48 anos, enquanto trabalhava como lavador de carros e vigia, após um período em que alguns pensavam que ele já tinha morrido e haviam gravado até sambas em sua homenagem.

Mas não. Cartola ainda estava vivinho da silva e com muita poesia dentro dele. O primeiro LP saiu pouco antes dele completar 66 anos e, até realmente cantar pra subir (porque nenhum eufemismo seria mais conveniente pra ele) em 1980, ele ainda gravaria muitos dos sambas compostos por ele e outros, se apresentaria e seria regravado pelos quatro cantos do país. Quem escuta os seus sambas elegantes e delicados, do calibre de "Alegria", "As rosas não falam", "O mundo é um moinho", "Corra e olhe o céu" e "Peito vazio", simplesmente não consegue se manter impassível.


sábado, 18 de outubro de 2008

Toda mulher merece seu dia de Alison Goldfrapp

A rotina às vezes enche a paciência até do ser humano mais equilibrado. Correr de um compromisso para o outro, passar o dia inteiro com a mesma roupa (o que, num calorão de 36°, faz toda a diferença) e ansiar obsessivamente por aquele momento doce de colocar a cabeça no travesseiro e dormir como um cataléptico pelas próximas horas acabam com a alegria de qualquer um. Zero de glamour.

Com isso, pode surgir um desânimo crônico e generalizado. Tudo parece demandar um esforço monumental para ser feito, ficar em casa acaba sendo a solução mais cômoda para o tempo livre e, aos poucos, a gente começa até a esquecer de como é ver o nosso próprio reflexo no espelho. Pra quem é mulher, pelo menos, essa última parte é uma miséria, já que se sentir bonita é fundamental para a auto-estima e a construção da identidade. Acabar com a vaidade em nome da praticidade pode até ser mais econômico, mas é um péssimo negócio.

Divagando sobre o assunto (e garimpando a minha biblioteca do iTunes), cheguei à conclusão de que o antídoto ideal para quando o dia-a-dia faz a gente se sentir mais sem graça que purê de hospital tem nome: Alison Goldfrapp. A cantora (da ótima banda chamada, duh, Goldfrapp) tem, além da voz grave e potente, um estilo sensual e autêntico, sem jamais ultrapassar a linha tênue da vulgaridade ou do ridículo. Nem mesmo rolando como um poodle pedindo carinho na barriga (vide o clipe de "Number 1"). Tanto nos clipes quanto nos shows, lá está Alison fazendo carão, com os figurinos, makes e penteados mais loucos possíveis. Quer ver uma mulher poderosa? É ela. 

A idéia é, em uma noite qualquer, escolher "o" lugar pra ir, fazer "a" produção para o evento e sair se sentindo genuinamente "a" toda-toda. Perder o receio do que quem está em volta vai achar. Um lance bem Carrie Bradshaw mesmo. Altamente recomendável para recuperar o bom humor e aproveitar o gostinho de ser alvo de olhares cobiçosos de marmanjos (ou donzelas, pra quem curte). Sublime.





quarta-feira, 15 de outubro de 2008

2008, uma odisséia na Barra da Tijuca

Eu e a Barra sempre nos demos muito bem: eu aqui e ela no canto dela. Láááá depois de subir o Alto da Boa Vista com o estômago revirado e os ouvidos tapados pela pressão, naquele pedaço de terra que se separou de Miami e veio flutuando sobre o mar até parar aqui. Eu, acostumada em andar tranqüilamente pelas calçadas cheias de lojas, prédios com consultórios médicos, farmácias, bancos e camelôs atrapalhando o fluxo de pedestres, não consigo entender a lógica daquele bairro. O mais esquisito é que estão todos se mudando pra lá: emergentes, sedes de empresas, até meu dermatologista deve se estabelecer de vez na Barra daqui a pouco. Com isso, as idas pra lá têm sido mais e mais freqüentes a cada dia que passa.

A Avenida das Américas é uma via sem fim, ocupada por centros comerciais e supermercados gigantescos. Quem está a pé sofre para fazer algo simples como atravessar a rua ou simplesmente flanar. Flâneur, na Barra, tem que ter treinamento de maratonista e andar com cantil e barrinhas de cereal. Os condomínios são verdadeiras fortalezas vigiadas 24 x 7, imensos e com toda a infra-estrutura necessária para a sobrevivência. Há uns anos, passou no Fantástico uma matéria com um grupo de adolescentes que NUNCA (jamais) tinham saído da Barra da Tijuca, então o repórter foi fazer um passeio (safari?) com os teens pelo Centro da cidade. É o próprio panóptico posto em prática.

E a praia? Bem, a praia de lá é uma delícia. Mas sempre me dá a impressão de ser uma praia cenográfica, não tem muito cara de praia pra mim. Pensando bem, os nativos da Barra também me parecem ser figurantes da Malhação ou de alguma novela das 7. Eta lugarzinho esquisito...

Contemplemos o futuro:




terça-feira, 14 de outubro de 2008

Dá-lhe

Ela não era mais uma teenager com ares de lolita quando começou a fazer sucesso. Pelo contrário, já entrava na casa dos 30, enfiando o pé na porta com a sua voz rouca e uma guitarra folk, entre a rebeldia rocker e o romantismo. Sem grandes pretensões (e às vezes só com um violão), a escocesa KT Tunstall foi chamando a atenção de quem já não aguentava mais a hegemonia das pseudo-divas do pop e esperava por alguém diferente e autêntico para agitar o cenário musical. Aqui, a cantora ainda é pouco conhecida, quando alguém lembra dela é só por "Suddenly I see" (aquela do comercial da Claro, sabe?) e olhe lá.

Até ela chegar ao meu discman (é, eu ainda usava esse aparelhinho jurássico na época) ainda demorou um tanto, mas daí em diante não parei mais de ouvir a moça. Desde a lentinha "Other side of the world" até a (como eu posso adjetivar?) "Black horse and the cherry tree", as faixas do primeiro cd ("Eye to the telescope") viraram presença cativa nas minhas setlists. Para eu me convencer a ouvir o álbum mais novo ("Drastic Fantastic"), que de cara não curti muito, foi mais demorado, visto o meu apego pelo outro. De umas semanas pra cá, comecei a ouvi-lo com mais persistência e não é que tô adorando também?


Um dia, passando perto do Canecão, pensei "poxa, ela bem que podia vir tocar por aqui, hein? Ah, mas mesmo que ela venha, deve ser lá pros confins da Barra". Poucas semanas depois, garimpando a programação do site da tal casa de shows, hiperventilei (como escreve o pessoal do "Te dou um dado?"): KT Tunstall vai se apresentar lá dia 16! O ingresso para a pista (porque assistir a show sentadinho é frescura) já está garantido e guardado na agenda. Já chegou a hora? E agora?


KT na apresentação que fez sua carreira deslanchar lá na gringa, no programa britânico "Later... With Jools Holland":



domingo, 12 de outubro de 2008

Top top top

Essa semana, ouvi de uma amiga: "eu quero mais é que vá todo mundo tomar no cu!". Merece, no mínimo, uma camiseta, quiçá uma tatuagem.

A frase é simples e taxativa, quase uma filosofia de vida à la "don't worry, be happy" (numa versão mal-humorada, naturalmente). Nada de esquentar a cabeça com o que outras pessoas pensam, de deixar que terceiros estejam em primeiro plano nas nossas vidas ou de pôr o próprio futuro nas mãos de qualquer um além de nós mesmos.

Parece óbvio, mas na prática nem sempre funciona assim, né? Adotemos, então, o mantra. Segue trilha sonora inspiradora:




quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O povo já se cansou de tanto o céu desabar

Já tá bom, né? Começou a dar no saco isso de ter que trocar as rasteiras de dedo pelos tênis porque o tempo virou de uma hora pra outra e de sair com a bolsa mais pesada por causa dos acessórios just in case (guarda-chuva, casaco e papel pra secar os óculos). De fechar as janelas e ficar com preguiça de sair. Dos meus programas furarem porque desabou uma tempestade e os meus amigos desanimaram. Saudades de não precisar desviar das poças no caminho. É sério que as ruas já foram secas um dia? Nem lembro mais.





É isso: decreto a banalidade

Senhas
(Adriana Calcanhotto)

Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

Eu agüento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo pra conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus tratos

Eu agüento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu agüento até os caretas
E suas verdades perfeitas

Eu agüento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo pra etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem

Não sei porque eu continuo nessa de Alice. Dar o benefício da dúvida, não ter reservas, tentar ver os dois lados da história, pensar primeiro em mal-entendidos, essas besteiras. Invariavelmente, quem tem se dado mal na história tenho sido eu mesma. De besta que eu sou.

Quando eu tento dosar as coisas, aí é que eu me embanano toda. Exagero de mais ou de menos, sem saber equilibrar o quanto de mim é o bastante para determinado momento (será que isso existe mesmo?). Pra mim, não faz sentido planejar metodicamente como vou agir ou deixar de agir. Sou partidária da transparência e da cega fidelidade ao que eu penso e sinto, sem me guiar por supostos padrões de lógica e comportamento.

Já larguei sei lá quantos trabalhos que me deixavam insatisfeita, ainda que eu precisasse da grana e fosse passar um perrengue depois. Terminei um namoro pouco antes do jantar de noivado por perceber que aquilo não fazia mais sentido pra mim. Entrei de cabeça em histórias já sabendo de cara que eram furadas. Já insisti até a última chance enquanto achei que algo valia a pena. Já chega. Mais uma vez, decidi que vou ser uma pessoa ordinária, comodamente restrita aos limites da mediocridade. Vamos ver se dá certo dessa vez.

domingo, 5 de outubro de 2008

A mulher de olhos e textos agudos


Hoje foi o último dia da exposição "Clarice Lispector - A hora da estrela" no CCBB. Apesar de já tê-la visto em Sampa ano passado, eu tinha que ir de novo. Telas com fotos preto-e-brancas dela cobrindo frases de alguns de seus livros, o vídeo com uma entrevista de pouco antes de sua morte (em que aparece uma Clarice angustiada), a sala cheia de gavetas em que há cartas de amigos, manuscritos, fotos, diplomas e documentos. Muito mais escuridão do que claridade nas salas, talvez numa tentativa de simbolizar a introspecção da escritora.

Comecei a ler Clarice faz pouco tempo, 2 anos no máximo. Escolhi justamente "A hora da estrela" pelo título e por ficar curiosa para saber se ela iria conseguir contar uma boa história em tão poucas páginas. Conseguiu. Ela escreve sobre Macabéa, uma nordestina jovem e simples. "Quanto à moça, ela vive num limbo impessoal, sem alcançar o pior nem o melhor. Ela somente vive, inspirando e expirando, inspirando e expirando. Na verdade - para que mais que isso? O seu viver é ralo." Me apaixonei pelo jeito simples e sincero dela de escrever, apaixonado e contraditório, como se tivesse acabado de se dar conta de algo extraordinário, quisesse compartilhar com alguém e esse alguém fosse apenas você. Pena não ter dado tempo de sermos contemporâneas.

Ah, olha que curioso: no site que a editora Rocco fez para a escritora, achei um trecho de um livro dela que tem tudo a ver com o post de ontem.

“Sou o que se chama de pessoa impulsiva. Como descrever? Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente. O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.

Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos. E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente? Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta? E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura. Vou pensar no assunto. E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso. Não sou madura bastante ainda. Ou nunca serei.”

sábado, 4 de outubro de 2008

Estupidez educativa

Reza o conhecimento popular que fazendo merda é que se aduba a vida. Que diabos isso quer dizer? Basicamente (e usando outra máxima das antigas), que errando é que se aprende. Até concordo. Não que a idéia seja de fazer besteira no atacado para se tornar um indivíduo mais sábio e ter histórias para contar aos bisnetos mas, realmente, os erros fazem de nós pessoas mais maduras. Teoricamente, pelo menos, sem levar em conta aqueles que nunca param para refletir sobre si mesmos e, naturalmente, que sejam consideradas besteiras modestas, nada como pegar o namorado da amiga ou afins.

Porque quando a gente diz algo idiota, dá piti, sabe o que precisa fazer e age de forma completamente oposta, dá vazão ao seu lado mais mala (que você acreditava estar superado ou muito bem escondido), bebe além da conta, enfim, faz merda, sente uma vergonha danada. Há variações de efeito que dependem da área (trabalho, vida amorosa, família, conversas com pessoas pouco íntimas etc.) em que a besteira foi feita e a dimensão da estupidez. O momento em que esta é assimilada pode se seguir de um enrubescimento momentâneo até dias de reclusão acompanhada de ressaca moral (e/ou alcóolica de fato).

Quem são os indivíduos afetados pela sua besteira e a intimidade com os mesmos também é crucial para a importância dada à merda feita. Com a mãe não vale, ela tem o coração mole e já se apegou nos tempos em que você era gorducho e engraçadinho. Com o melhor amigo, pode até gerar um certo aborrecimento, mas depois você sabe que ele vai perdoar e vai ficar tudo bem de novo. Com alguém que se conhece pouco, já complica mais, porque os laços ainda são muito frágeis e algo que seria superável num relacionamento com bases firmes pode gerar um pé atrás ou o dano mais amargo de todos: corte definitivo de relações. Nem sempre a gente tem como dizer : "ó, eu fiz um negócio muito idiota, mas sou uma pessoa legal".

Num mundo ideal, sempre aprenderíamos com os erros e aqueles afetados por nossas idiotices seriam sempre compreensivos. O contrário também valeria. Jamais seríamos intransigentes, arrogantes e cabeças-duras. Teríamos o dom da reflexão distanciada. Eu não seria míope nem teria rinite, meu sobrenome seria Onassis, haveria ar-condicionado central no Rio de Janeiro e a vida de verdade teria trilha sonora. Tudo perfeitamente possível.



quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Money, it's a gas



Eu e Taís temos o costume de dizer que só nós nos entendemos (assim como todas as amigas do mundo devem dizer uma à outra). Hoje liguei pra ela para pedir uns conselhos sobre a minha eternamente capenga vida financeira e começamos a conversar a respeito. Chegamos à conclusão de que as pragas e salvações da vida cotidiana são o cartão de crédito, o cartão de débito (por vezes juntos, num combo de destruição) e o limite de cheque especial.

A cena: você sai de casa para o teatro. No caminho, algo chama a sua atenção em uma loja. Algo supérfluo ou tranqüilamente adiável, mas que em 5 segundos se torna completamente indispensável a sua existência daqui pra frente. Você não tem dinheiro, mas lembra que está com um dos benditos (adjetivo altamente questionável) cartões. Faz a compra, passa o cartão, recebe um boletinho azul - a cor da tranqüilidade, segundo a cromoterapia - e sai todo satisfeito do estabelecimento. Foi quase mágico: você comprou um mimo para si mesmo sem ver uma notinha de real saindo da carteira. Mágico, como você descobre depois, é o chá-de-sumiço no seu saldo positivo quando tira o próximo extrato bancário ou o crescimento das suas dívidas ao receber a fatura do cartão de crédito. Pior ainda quando o extrato vem acompanhado de um discreto sinal de negativo ou um valor digitado em vermelho. Cor de sangue.

Vejam como são tinhosos os administradores de banco e cartões de crédito. Apenas o ato de retirar as cédulas da carteira e vê-la ficando vazia já era um fator de controle dos gastos. Quando era a última notinha, então, era um apego só. Mais ainda se a agência do seu banco fosse longe, porque isso significava o seu deslocamento até lá para sacar mais. Ou seja, a visão do dinheiro sendo gasto e a preguiça nos ajudavam a economizar.

Daí surgiram os caixas eletrônicos fora das agências (estrategicamente posicionados em shoppings e supermercados, por exemplo) e os tais adventos mencionados mais acima. Quase todas as lojas, boites e até botequins têm uma maquininha do Visa e do Master (Amex é coisa de rico e é mais difícil de achar). Em alguns lugares, você nem precisa levantar da mesa e interromper a conversa para pagar a conta, porque alguém leva o aparelho até você.

O limite do cheque especial, então, é uma coisa louca, um verdadeiro vício. Money addiction. No começo, você diz que nunca vai usar e se orgulha muito de ter tanto auto-controle. Daí, um dia, resolve usar só um pouquinho, só dessa vez. Meses depois, você não consegue mais viver sem e se livrar dele é como perder um braço. A gente sabe que aquele dinheiro não é nosso e que vamos pagar juros altíssimos por ele, mas daí a cortar as asinhas do hedonismo já são outros quinhentos. "Pai rico, pai pobre" não me ensinou nada.



quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Uma coisa leva à outra


Fui ao pavilhão do Festival encontrar os colegas do blog e entrevistar o diretor de um documentário. Tudo ok: conversamos, gravamos, começamos a preparar o texto. Encontrei, por coincidência, um amigo por lá, que ia para Botafogo. Aproveitei para pegar carona com ele e ir ao Rio Sul trocar o ingresso do Tim Festival (do Tim no Tim pelo da apresentação das cantoras de jazz).

Liguei para uma amiga que queria ir ao mesmo show e ela resolveu comprar logo o ingresso também. Deixei meu amigo na saída e fui encontrá-la. Começamos a conversar, chamei-a pra o café da livraria. Brownie com sorvete de creme, papo muito fértil, risadas altas e despreocupadas.

Fui deixá-la na faculdade ali perto pra depois pegar o ônibus pra casa. Passamos pelo boteco estrategicamente posicionado no caminho, acabamos ficando por lá mesmo e a aula dela foi pras cucuias. Continuamos o papo e nossas filosofias de botequim (agora acompanhadas pela cerveja) até que a chuva apertou e resolvemos ir embora antes que aparecesse um velhinho barbudo com a idéia de pôr casais de bichos numa arca. Muito bom quando o que acontece por acaso acaba sendo melhor que o planejado, não?

Stacey Kent - "Ces petits riens" ("Esses pequenos nadas"):