Por algum motivo (transtorno obsessivo-compulsivo, por exemplo), sinto uma certa inclinação a fazer retrospectivas, e geralmente com períodos de tempo redondos (1 semana, 1 ano, 1 década). Hoje me peguei pensando em como são as relações amorosas hoje e como elas eram há 10 anos. O que mudou? O que continua igual?
Lembro que as pessoas estavam experimentando e se flexibilizando cada vez mais, mas sem aquele peso todo de romper tabus. Não que estes não existissem. Ter um relacionamento aberto (como se chamava, na época, quando o casal podia ficar com quem tivesse vontade) era um compromisso explícito apenas para o casal. Uma menina conversar a respeito com os pais era exigir se tornar a decepção da família e ouvir "esse mundo tá perdido" por meses a fio.
Relacionamento aberto, ficar com pessoas do mesmo sexo, alternar relações com homens e mulheres etc ainda gerava discussões inflamadas onde se ouviam teorias sobre a natureza humana, Deus, gostos pessoais, moral e imoral, liberdade e desejo. Mas os jovens, filhos e netos da geração de 1968, primeira geração da internet, já começavam a encarar de modo natural fazer o que quisessem e que não tinha nada de ilegal.
Um casal de homens tinha conseguido, pela primeira vez, adotar uma criança no Brasil há pouco. Duas mulheres já podiam cear no Natal com o restante da família sem precisar fingir que não eram o que todos já sabiam que eram. Vez ou outra, aparecia uma notícia de que nesse ou naquele estado já se fazia casamentos de pessoas do mesmo sexo. Igrejas consideravam o homossexualismo possessão demoníaca e igrejas ministravam o matrimônio entre homossexuais.
Hoje essa definição de homo, hetero e bissexual tem caráter muito mais prático, para definir interesses predominantes, do que em 2008, em que tinha a classificação risível de "opção sexual". Juro, se dizia "opção" há 10 anos. Homossexual (junto com suas formas pejorativas bicha e viadinho) ainda era um personagem folclórico da teia social, um estereótipo usado para ofender alguém. O gay se escondia no trabalho e fingia achar graça nas piadas sobre a "tendência sexual" de quem gosta de caipirinha de morango. Bissexual era um indeciso, um freak com algum desvio psicológico.
Fidelidade, que a gente hoje entende como escolha do casal, então, era uma regra. Se um casal se formava, era implícito que um só podia ficar com o outro. Mesmo porque o contrário de fidelidade carregava nas costas o nome de traição. Existe palavra mais relacionada com crime, culpa e falta de caráter do que traição? O que a gente vê como uma relação de honestidade, amor e cumplicidade sem privação das vontades humanas naturais era uma depravação ou, como se dizia, galinhagem. Mas já crescia com força a semente do hedonismo.
Aos poucos, sem revoluções explícitas ou sutiãs pegando fogo em praça pública, as relações passaram a ser compreendidas entre interação entre seres humanos, e não necessariamente entre homem e mulher. Entre dois ou mais. Ou mesmo entre um ser humano e o mundo, afinal, por que a obrigação de casamento no molde "felizes para sempre" para significar sucesso na vida e saúde emocional? Permanentes ou esporádicas. Livres, enfim, de preconceitos e regras.