segunda-feira, 28 de julho de 2008

A gente fica pelo caminho (?)

Damien Rice sempre me deixa meio tristonha e cínica. Ele vem sempre com aquele violão lento, a voz doce e amargurada, cantando sobre amores perdidos, gritando as palavras não-ditas a alguém, sufocando de desajuste, susurrando sobre como a vida vai ficando mais vazia e sem sentido com o tempo. Pronto, fico assim. Mas há algo nas canções melancólicas que me capta. O próprio Rice (algumas vezes em duetos com Lisa Hannigan), mas também outros como Cat Power, Nina Simone, Gal, Jeff Buckley, Billie Holiday, Elis e Paulinho da Viola têm algo na voz que transmite uma sensação de intimidade, de quem entende como é queimar pela banalidade de querer quem não quer ser seu. De ser dominado pela sensação de que vai desmanchar em mil, para depois, aos poucos, bem aos poucos, se reconstruir de novo (repete infinitas vezes).

Herbert Vianna escreveu:

"Por sempre andar, andar
Sem nunca parar
Pequenas coisas vão ficando pra trás

O desejo de aprender
Ficou na segunda escola
O seda da pele
Numa mesa de trabalho
A inocência para amar
Na terceira desilusão
A melodia das palavras
No ruído do avião
O brilho do olhar
Em algum ponto do caminho
A vontade de abraçar
No vício de ficar sozinho
Solitário desde então

Por sempre andar, andar
Sem nunca parar
Pequenas coisas vão ficando pra trás

Tudo foi se desprendendo
Levado pelo vento
Eu sou o que chegou ao fim
É assim que eu me apresento
Com o que sobrou de mim"
(Por Sempre Andar)

Quero evitar que meus os meus sentimentos se tornem pragmáticos um dia, que eu deixe de lado tudo o que me faz estar verdadeiramente viva: a taquicardia, os pensamentos loucos, os calafrios, as vontades, a doçura em um simples entrelaçar de dedos, o otimismo de amar alguém e imaginar que é pra sempre, o arrepio do beijo, o encantamento por coisinhas quaisquer. Só me pergunto o quanto eu mesma posso moldar no meu futuro e o quanto o futuro faz por si só. 

domingo, 20 de julho de 2008

"Las ditaduras son las mismas, sólo cambian de lugar"

6ª à noite, eu em casa pra dormir cedo e não perder o horário do curso de sábado, revi um filme que eu adoro no Canal Brasil: "Cabra Cega". A história gira em torno de personagens ligados à luta armada durante a ditadura militar e, além da ótima trilha sonora ("Eu quero é botar meu bloco na rua", do Sérgio Sampaio, não sai da minha cabeça desde a primeira vez em que eu assisti), aborda a maneira apaixonada e por vezes, utópica, daqueles que sonhavam em mudar, senão o mundo, ao menos a realidade do país. Uma coadjuvante, que faz uma senhora argentina refugiada da ditadura em seu país, diz a frase que deu título a esse post, amargurada por ter, segundo ela, escolhido o medo ao invés de seu filho.

Interessante como alguns eventos do cotidiano parecem conversar e se complementar. No sábado à noite, fui ao Teatro João Caetano assistir a "Bent", uma peça sobre a perseguição nazista aos homossexuais. O texto, despido de pudores ou elementos atenuantes, passa à margem da vulgaridade ou pieguice em que poderia facilmente cair, atingindo o público ora como uma confissão íntima, ora como um soco violento no estômago (em algumas cenas, das duas formas). O nó na garganta começa assim que as cortinas se abrem e continua lá até elas se fecharem pela última vez.

Apesar de todas as discussões, de todos os livros, de todos os filmes, de todas as peças que se baseiam no tema das ditaduras, fico imaginando se algum dia eu vou ter a dimensão exata de como é viver o tempo todo com à repressão à espreita pelo que eu possa pensar, sentir, dizer ou mesmo ser. Daí penso que talvez eu faça parte também de uma ditadura sem que eu nem me dê conta. Outro dia, uma amiga comentou intrigada sobre como algumas pessoas já adultas em 64 mal se deram conta de que viviam numa ditadura e, como muitas vezes, sentem até saudades daquela época como "tempos mais tranqüilos".

Essa semana, três pessoas próximas me contaram sobre experiências violentas pelas quais passaram nesses últimos dias aqui no Rio. Sempre há alguém para contar de um assalto, um seqüestro-relâmpago, um tiroteio, do medo de andar à noite na rua ou de ir a certo lugar. Do lado de lá, dos mais pobres e marginalizados, também é comum o relato da violência, da "dura" de um policial sem nenhum motivo aparente, do amigo que foi assassinado e virou "traficante morto em confronto" só por estar no lugar errado na hora errada, do tapa na cara, da blusa vermelha que não pode sair do armário, das madames que apertam as bolsas debaixo do braço e atravessam a rua sem mais nem menos.

Isso sem falar em todas as outras maneiras de repressão Brasil e mundo afora: estão nas fazendas com trabalhadores em regime de semi-escravidão, nos chineses que se esquivam de falar sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, nos cubanos com acesso limitado à internet, nas barreiras migratórias, nas guerras tribais na África, na muculmana apedrejada na rua, nos acessos desiguais a serviços públicos, nos padrões excludentes, em níveis micro e macro.

Sei que muitos dos exemplos que estou citando não se encaixam no conceito tradicional de "ditadura", mas a política não está presente em todas as relações de poder, em todas as hierarquias? Mesmo estando talvez em uma posição relativamente privilegiada (digo "relativamente" porque não me sinto oprimida de forma direta no dia-a-dia), posso sentir uma tensão constante no ar, a sensação de viver numa segurança muito frágil e prestes a ruir a qualquer momento e, finalmente, a consciência de que não preciso ir longe para ver as nossas próprias ditaduras face a face.

terça-feira, 8 de julho de 2008

As ilhas afortunadas

Que voz vem no som das ondas
Que não é a voz do mar?
É a voz de alguém que nos fala,
Mas que, se escutamos, cala,
Por ter havido escutar.

E só se, meio dormindo,
Sem saber de ouvir ouvimos,
Que ela nos diz a esperança
A que, como uma criança
Dormente, a dormir sorrimos.

São ilhas afortunadas,
São terras sem ter lugar,
Onde o Rei mora esperando.
Mas, se vamos despertando,
Cala a voz, e há só mar.

(Fernando Pessoa)

sábado, 5 de julho de 2008

Feijoada e tartelette

A tarde desse sábado foi uma delícia, daquelas em que parece que os minutos se expandem para comportar tudo o que se quer fazer. Começou na Feira do Rio Antigo, lúdica, animada e convidativa como sempre. Como eu estava desejando comer uma feijoada fazia tempo, parei com os meus amigos no Nova Esperança e aproveitamos com gosto aquela mistura de couve à mineira, arroz branco, feijão, torresmo e tantos pedaços de porco que prefiro nem saber para não ficar culpada.

Ainda ficamos mais um pouco na Feira. A Jennie rindo e fotografando, o Rafa fazendo graça, eu encantada com a tatuagem que a Winnee fez no braço, os moleques desafinados que iam se apresentar na Praça Emilinha Borba, Elizeth Cardoso e Nelson Cavaquinho tocando na vitrola do estande de vinis.

Quando os moleques da Praça ensaiaram uma torturante versão de "Trem das Onze", decidimos seguir pela Praça Tiradentes em direção ao CCBB, para encontrar uma amiga da Jennie. Quando estávamos na esquina, escutamos um samba tocando no Arco do Teles. Vendo a nossa expressão intrigada, uma guardadora de carros disse, sem que a gente nem perguntasse, "ah, esse aí é um samba que tem de 15 em 15 dias". Era destino, o samba, a guardadora e a gente se encontrar essa tarde. Passamos pela rua cheia e sentamos numa mesinha do pra beber uma cerveja e escutar o grupo que tocava aqueles sambinhas antigos que dão uma malemolência só, um remexer involuntário de ombros quando ainda se está sentado na cadeira.

Terminada a garrafa, seguimos finalmente para o CCBB, para ver a exposição sobre o centenário da imigração japonesa no Brasil. Linda de morrer, cheia de idéias inteligentes, quimonos, mangás, artigos de porcelana, artefatos de guerra, origamis, fotos de passaportes. Um sonho nipônico. Para completar, a tal amiga da Jennie era uma comédia e ainda tinha um filho que dava vontade de levar para casa de tão fofo (e olha que eu tenho lá as minhas reticências com crianças). Deu vontade coletiva de beber um café, mas o salão de chá estava lotado. Sugeri a Brasserie Rosário, ali na esquina.

Hum...Capuccino, tartelette de chocolate branco com frutas vermelhas, jazz tocando ao fundo naquele café charmoso e aconchegante (apesar da garçonete fazer questão de demonstrar que queria fechar logo o caixa para aproveitar o sábado à noite). Conversamos, rimos e depois fomos pegar o ônibus para seguir as nossas respectivas casinhas, todas serelepes. Era o que faltava para coroar a tarde excepcionalmente divertida e que, de outra forma, poderia ter sido bem mais vazia, solitária e sem graça. E viva o Centro!