domingo, 30 de maio de 2010

Vícios acidentais ou Eu uso óculos

Essa semana, no banheiro do estágio, aconteceu algo curioso (calma, que eu não sou de escatologia). Bem, fui ao banheiro e, antes de sair, senti falta dos óculos. Passei um bom tempo procurando por eles lá. Eles não estavam encaixados no decote e não estavam ao lado da pia. De repente, o desespero: teriam eles caído da minha blusa no vaso sanitário? Foi então que eu me olhei no espelho e lá estavam. Bem na minha cara. Literalmente. Sempre achei que isso fosse sinal de caduquice - e não estou dizendo que não seja mesmo -, mas é engraçado quando acontece com a gente. Ainda mais considerando o meu histórico.

Apesar da infância meio fudida em alguns aspectos, em relação a minha saúde acho que posso considerar  que fui uma criança sortuda. Tive catapora, caxumba e algumas noites maldormidas causadas por febres, mas nunca tive cárie, nenhuma doença grave. Uma vez, rolei escada abaixo (maldita mania de descer escada pulando os degraus) e fiquei com uns arranhões, mas nunca quebrei nada. Só lá pros 14 anos que torci o pé e  realizei o sonho de usar gesso (vai entender). 

Eis que, depois dos 20 anos, o oftalmologista tem a audácia de me dizer que eu sou míope. Porra, agora?  Eu faço consulta de rotina todo ano desde pequena, nunca apareceu nenhum defeito de visão e agora você  tem a cara-de-pau de me dizer que eu sou míope? Enfim, revolta superada, lá fui eu mandar fazer os óculos, porque já estava meio complicado de pegar ônibus e enxergar a letra do professor no quadro da faculdade. Escolhi um modelo com armação leve, com lentes pequenas e retangulares, bem bonitinho até. No primeiro dia em que eu usei, o choque: tudo parecia no lugar errado, eu andava sem saber direito como medir distâncias e profundidade. Levei uns dias pra me acostumar e, mesmo assim, demorou bastante pra me sentir bem com eles.

Mais ou menos um ano depois disso, comecei a notar que eu enxergava cada vez pior sem os óculos. Ler uma placa a poucos metros já tinha se tornado difícil. Fui ao oftalmo de novo, o grau (que já era pequeno) havia mudado quase nada num olho e continuado o mesmo no outro. Foi então que eu percebi: eu havia me tornado dependente dos meus óculos. Alguns dias antes do episódio do banheiro, aconteceu outro interessante. Antes de dormir,  passei a mão no rosto pra tirar os óculos, mas... eles não estavam lá. Eu já havia tirado alguns minutos antes. Ainda bem que essas coisas só acontecem quando eu estou sozinha, pelo menos.

Comecei a pensar então em como vamos criando dependências ao longo da vida. Algumas são temporárias, outras permanentes. Biológicas, materiais, sentimentais. Elas nos deixam mais confortáveis ou às vezes são só uma forma de nos deixar seguros de que podemos nos apoiar em algo. Um lugar seguro às muitas mudanças que, querendo ou não, a gente vive. Às vezes, elas nos são benéficas. Em outras, nos maltratam, mas não sabemos como nos desvencilhar. Do que, de fato, será que a gente precisa?

quarta-feira, 19 de maio de 2010

De quando eu sonhava mais

Naquele dia, lembro de acordar e estar sozinha na cama. De, ainda sonolenta, ouvi-lo me oferecer café, pela fresta da porta. Resmunguei um "não, obrigada", e voltei a dormir. Ainda eram tempos em que eu tinha o hábito de construir pessoas. De a cada olhar, beijo, carinho e palavra ir criando uma personalidade, encaixando as minhas projeções e expectativas de uma forma que seria até bastante proveitosa literariamente, mas na vida real nunca terminava bem. Hoje já aprendi que pode ser muito mais interessante ir descobrindo aos poucos quem é o outro, por ele mesmo. Enfim, voltando àquele tempo, eu tinha o costume de ir juntando os fragmentos de alguém e, quando via, já o tinha inventado.

Por isso, a surpresa naquela manhã. Estava eu olhando encantada, tentando disfarçar a todo custo o encantamento que já tinha se enraizado no peito. Quem me olhou de volta foi outra pessoa. Aquele que eu havia engendrado dentro de mim não estava ali. Quem estava era outro, era o cara da vida real. E o cara da vida real vivia no mundo real, tinha suas coisas pra fazer e eu estava atrapalhando. De alguma forma, eu sabia que seria a última vez. Voltei pra casa chorando.

domingo, 2 de maio de 2010

Carrossel

Um dia eu acordei e tinha contas pra pagar. Um compartimento só meu na pasta-sanfona de documentos de casa. Os pais dizem pros filhos agradecerem "à moça" quando eu seguro a porta do elevador. Quando foi que isso aconteceu e eu não vi?

Os dias são cheios de prazos, planos ainda não realizados, cálculos, projetos, correria. As noites têm gosto de vodka e cheiro de cigarro. "O quê?", eu pergunto aos berros, sem escutar o que a outra pessoa diz por causa da música alta. Repito duas vezes. Se não tiver entendido depois da terceira, me rendo. Apenas gargalho e concordo. 

Melhores amigos por uma noite, as estranhas criaturas da madrugada, a maquiagem borrada ao acordar.  O domingo preguiçoso, as roupas pra lavar, a agenda pra rever. A campainha do despertador e a leitura da revista semanal às segundas-feiras, durante o trajeto do ônibus. E repete terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, indefinidamente.