domingo, 20 de julho de 2008

"Las ditaduras son las mismas, sólo cambian de lugar"

6ª à noite, eu em casa pra dormir cedo e não perder o horário do curso de sábado, revi um filme que eu adoro no Canal Brasil: "Cabra Cega". A história gira em torno de personagens ligados à luta armada durante a ditadura militar e, além da ótima trilha sonora ("Eu quero é botar meu bloco na rua", do Sérgio Sampaio, não sai da minha cabeça desde a primeira vez em que eu assisti), aborda a maneira apaixonada e por vezes, utópica, daqueles que sonhavam em mudar, senão o mundo, ao menos a realidade do país. Uma coadjuvante, que faz uma senhora argentina refugiada da ditadura em seu país, diz a frase que deu título a esse post, amargurada por ter, segundo ela, escolhido o medo ao invés de seu filho.

Interessante como alguns eventos do cotidiano parecem conversar e se complementar. No sábado à noite, fui ao Teatro João Caetano assistir a "Bent", uma peça sobre a perseguição nazista aos homossexuais. O texto, despido de pudores ou elementos atenuantes, passa à margem da vulgaridade ou pieguice em que poderia facilmente cair, atingindo o público ora como uma confissão íntima, ora como um soco violento no estômago (em algumas cenas, das duas formas). O nó na garganta começa assim que as cortinas se abrem e continua lá até elas se fecharem pela última vez.

Apesar de todas as discussões, de todos os livros, de todos os filmes, de todas as peças que se baseiam no tema das ditaduras, fico imaginando se algum dia eu vou ter a dimensão exata de como é viver o tempo todo com à repressão à espreita pelo que eu possa pensar, sentir, dizer ou mesmo ser. Daí penso que talvez eu faça parte também de uma ditadura sem que eu nem me dê conta. Outro dia, uma amiga comentou intrigada sobre como algumas pessoas já adultas em 64 mal se deram conta de que viviam numa ditadura e, como muitas vezes, sentem até saudades daquela época como "tempos mais tranqüilos".

Essa semana, três pessoas próximas me contaram sobre experiências violentas pelas quais passaram nesses últimos dias aqui no Rio. Sempre há alguém para contar de um assalto, um seqüestro-relâmpago, um tiroteio, do medo de andar à noite na rua ou de ir a certo lugar. Do lado de lá, dos mais pobres e marginalizados, também é comum o relato da violência, da "dura" de um policial sem nenhum motivo aparente, do amigo que foi assassinado e virou "traficante morto em confronto" só por estar no lugar errado na hora errada, do tapa na cara, da blusa vermelha que não pode sair do armário, das madames que apertam as bolsas debaixo do braço e atravessam a rua sem mais nem menos.

Isso sem falar em todas as outras maneiras de repressão Brasil e mundo afora: estão nas fazendas com trabalhadores em regime de semi-escravidão, nos chineses que se esquivam de falar sobre o massacre da Praça da Paz Celestial, nos cubanos com acesso limitado à internet, nas barreiras migratórias, nas guerras tribais na África, na muculmana apedrejada na rua, nos acessos desiguais a serviços públicos, nos padrões excludentes, em níveis micro e macro.

Sei que muitos dos exemplos que estou citando não se encaixam no conceito tradicional de "ditadura", mas a política não está presente em todas as relações de poder, em todas as hierarquias? Mesmo estando talvez em uma posição relativamente privilegiada (digo "relativamente" porque não me sinto oprimida de forma direta no dia-a-dia), posso sentir uma tensão constante no ar, a sensação de viver numa segurança muito frágil e prestes a ruir a qualquer momento e, finalmente, a consciência de que não preciso ir longe para ver as nossas próprias ditaduras face a face.

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