quarta-feira, 14 de maio de 2008

Um "road movie" nada árido

Qual a melhor solução para aliviar a mágoa de um coração partido? Para Wong Kar Wai, em sua primeira produção em língua inglesa, a resposta certamente seria um pedaço de torta de blueberry. Em "Um Beijo Roubado" (na brega tradução de "My Blueberry Nights"), o diretor conta a história de Lizzie (Norah Jones), uma jovem que é abandonada pelo namorado e se aproxima de Jeremy (Jude Law), dono do bar que seu ex freqüentava assiduamente. No bar, a única torta que geralmente chega intacta ao final do dia é a de blueberry porque, por algum motivo, ninguém a quer. Ao escutar de Jeremy a curiosidade, Lizzie se identifica imediatamente com o quitute preterido por todos.
É notável o esforço do diretor, dos figurinistas e dos cabeleireiros para fazer com que Jude Law não pareça o inglês aristocraticamente elegante e blasé como de costume, mas um autêntico dono de bar nova-iorquino. O ator surge, então, com cabelos desgrenhados, barba mal-feita e roupas largas, mas ainda é possível enxergar Alfie (de "Alfie, o Sedutor") e Dan (de "Closer") por trás da tentativa de criar uma aparência desleixada. Ele, assim como Lizzie, também chegou àquele bar depois de ver seus planos de futuro irem por água abaixo. Seu personagem, entretanto, é uma escada para Norah Jones.
Nessa primeira parte do filme, em que a protagonista está sofrendo por ter sido trocada por outra, percebe-se que Norah, em sua primeira incursão como atriz, não impressiona. Mesmo assim, ela se sai razoavelmente bem e consegue transmitir a delicadeza da personagem. Esta chora, se descabela, bebe ao ponto de dormir com a cabeça no balcão do bar, come descontroladamente, passa a ter insônia e leva até um soco em um assalto no metrô, num círculo auto-destrutivo. Lizzie, apesar de se identificar com Jeremy, mas ainda se sentindo desorientada pelo fim do namoro, decide viajar pelos Estados Unidos para se afastar de tudo que lembre seu amor frustrado.
Na sua fuga (ou tentativa de reencontrar um sentido para a sua vida), ela vai conhecendo a história de personagens tão sem rumo quanto ela, como um policial alcóolatra, a ex-mulher do mesmo e uma jovem viciada em jogos. Rachel Weisz, Natalie Portman e até a cantora Cat Power (fazendo uma ponta como ex-namorada de Jeremy) aparecem no longa, todas como mulheres que estão seguindo para algum lugar indefinido, sem objetivos evidentes.
Wong Kar Wai valoriza cores fortes, o que pode ser notado nos figurinos, cenários e na iluminação. Além disso, a
alternância de perspectivas e velocidades narrativas é cara ao diretor, que tenta evitar os clichês da visão de um estrangeiro sobre a sociedade, os costumes e os aspectos visuais dos Estados Unidos.
A trilha sonora, cheia de canções melancólicas em vozes roucas (como as das próprias Norah Jones e Cat Power), é um deleite à parte nesse filme delicado que trata da superação do sofrimento amoroso como um período de introspecção, observação do mundo exterior e, finalmente, recuperação. Ah, sim, e também de desejo incontrolável por doces.

Um comentário:

Anônimo disse...

é provavel que me identifique. desejo incontrolável por doces? minha cara!